A legalização dos bootlegs

É, no mínimo, curioso ver os lendários membros do Kiss adotarem uma alternativa digital de distribuição de música após condenarem tanto o estado moribundo da mídia física e a crescente popularização da “música sem corpo”. Acontece que o quarteto não se contradiz: eles apenas começam a dar seus primeiros passos para se adaptarem aos novos tempos ao tornarem-se os novos clientes da empresa Simfy Live, que oferece mais uma alternativa interessante que agradará os músicos e também os fãs.

A empresa alemã acompanha e grava todas as apresentações de suas bandas-clientes pela Europa em mesas de 54 canais com a melhor qualidade sonora possível. Ao final do show, o fã que acabou de assistir a apresentação pode correr até um quiosque da empresa localizada na região do concerto e comprar um pendrive com todo o show gravado em formato MP3 de 320 Kbps – se preferir, eles também oferecem outros formatos como AVI, DivX, MP4…

Além da venda imediata no local, o site da Simfy Live também oferece os mesmos shows, com direito a bis, para venda online dos arquivos digitais. O lucro dessas vendas (tirando aquilo que a Simfy cobra de seus clientes, os artistas, pelo serviço) vai todo para o músico, se ele a contratou por conta própria, ou para a gravadora, se ela ainda detém o “passe” da artista e teve a iniciativa de fazer uso do serviço. Nesse caso, o repasse do lucro cai na velha máquina estipulada no contrato artista/ gravadora, mas isso é outro papo.

O que a Simfy Live oferece é uma modernização de uma prática muito antiga, a dos bootlegs. Adolescentes dos anos 80 e, principalmente, 90 conviveram com os famosos discos ou CDs “piratas” de shows que eram gravados por espectadores que levavam gravadores escondidos (não me pergunte onde eles enfiavam os gravadores) e apertavam o rec quando começava a primeira música. O registro em péssima qualidade era prensado em vinis por gravadoras de fundo de quintal que faturavam sem dar um tostão aos artistas. Com o tempo, eram considerados raríssimos e proporcionalmente caros, verdadeiras peças de colecionador. Com a chegada do CD e dos equipamentos digitais, os bootlegs se tornaram cada vez mais populares e sua qualidade de áudio melhorou muito, se equiparando (em alguns casos, até superando) aos CDs ao vivo oficiais.

Durante a década de 90 e dos anos 2000, as reações entre os artistas eram diversas. Durante a turnê do antológico For Unlawful Carnal Knowledge, foi noticiado que o Van Halen liberava canais da mesa de som de seus shows para que os “pirateiros” pudessem ligar seus gravadores lá e registrarem o áudio da apresentação com a melhor qualidade de áudio que a ocasião poderia oferecer. Em meio a tudo isso, lá pelos idos de 1996, um desconhecido Dave Matthews e sua banda gravavam o show desta noite para, na semana seguinte, vender o CD “feito em casa” desta mesma gravação na apresentação da noite seguinte, começando, assim, a ganhar fama e reconhecimento – metade de seu primeiro CD por uma gravadora, Remember Two Things, é composto por gravações ao vivo de uma dessas apresentações.

Contra a prática dos bootlegs, os integrantes do Pearl Jam, irritados com a comercialização de CDs piratas de seus shows, iniciaram em 2000 a comercialização de seus “bootlegs oficiais”. Todos os 72 shows da turnê do disco Binaural pelos EUA foram lançados em caixas de papelão e comercializados nas lojas de CD. A prática continuou a partir dos álbuns seguintes, mas a logística mudou: a partir de 2003, a banda aceitava encomendas dos fãs que faziam os pedidos pelo site e recebiam os bootlegs pelo correio. Outra banda pioneira na distribuição digital da gravação de seus shows é o Primus: o baixista, vocalista e líder do trio, Les Claypool, criou o site Primusville para oferecer, através dele, arquivos de áudio de todas as suas apresentações e o internauta podia comprar músicas separadamente por centavos ou um pacote com todo o setlist. Atualmente o site encontra-se fora do ar, pois Claypool está aprontando mais uma das suas (aguardemos…)

Todas essas iniciativas podem ter sido, no mínimo, inspiração para o surgimento da Simfy Live, que chega em boa hora para quebrar duas pedras no sapato da indústria musical com um golpe só: ao mesmo tempo que ela ajuda a acabar de vez com as bootlegs “piratas” (algo que o próprio compartilhamento de músicas a partir do Napster praticamente já havia assassinado), também contribui com uma solução de venda legal e lucrativa de música online, cobrando um preço acessível para todos e gerando lucro nos bolsos de quem merece lucrar.

Yo ho ho, uma garrafa de bootlegs legais!

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