Crowdfunding não é para todos (pelo menos, não ainda)

Recentemente o Dead Fish garantiu a produção do seu sétimo álbum através Catarse batendo um recorde antes mesmo de ser gravado: O grupo capixaba, que precisava de R$60 mil para fazer o disco todo, arrecadou mais de R$200 mil através da contribuição dos fãs, consagrando-se como o projeto mais bem sucedido da história do site de crowdfunding até o momento.

Isso aconteceu em 2014, mesmo ano em que os Raimundos lançaram seu mais novo CD, Cantigas de Roda, também financiado pelos fãs através do Catarse. O quarteto, que retornou à atividade de forma independente, precisava de R$55 mil para gravar o álbum e arrecadou R$ 123.278 dos saudosos.

Para quem ainda não está familiarizado com a palavra do momento, crowdfunding é mais popularmente conhecido no Brasil como a boa e velha “vaquinha”. Através de sites como o já citado Catarse e o Kickante no Brasil e o Kickstarter e GoFundMe lá fora, os autores de projetos como esses encurtam distâncias com seus públicos e viabilizam a captação de recursos com a agilidade e segurança que os sistemas de serviços sérios de arrecadação pela Internet podem oferecer.

Os fãs, por sua vez, não são esquecidos nesta relação. Você não está apenas “comprando adiantado” o CD, mas contribuindo com a quantia que você quiser/ puder dar para que ele aconteça – em troca, os autores dos projetos costumam preparar “pacotes” de agradecimento: a partir de “A” reais, você leva o CD; a partir de “B” reais, você leva o CD e o boné; com “C” reais, você ganha o CD, o boné e a camiseta; e por aí vai – vale dizer que o lançamento de novo álbum por uma banda como estou falando aqui é só um exemplo: você pode, via crowdfunding, tentar cobrir os custos para a produção de um programa de TV, de um game, a publicação de um livro ou história em quadrinhos, a viabilização de um projeto educacional… Sua criatividade e força de vontade são o limite!

Já faz 15 anos que a sólida indústria musical foi atingida na cabeça pelo primeiro grande golpe chamado Napster e, desde então, testemunhamos uma verdadeira revolução no mercado fonográfico. Durante esse tempo, mesmo que várias propostas venham surgindo por aí (comércio de música digital, serviços de streaming, selos independentes fortes, etc.), uma pergunta se mantém aberta: “agora que temos poder para tirar as grandes gravadoras da equação, qual é o novo modelo de negócio?” O crowdfunding pode ser uma excelente resposta a médio e longo prazo a partir daqui. Sem o intermédio das majors e sua poderosíssima rede de divulgação e influência, o artista sem contrato com ninguém depende principalmente da maior aproximação possível de seus fãs para mantê-los fiéis (além de, é claro, continuar produzindo bom material). A “vaquinha digital” é uma forma de “dar a cara à tapa” mostrando suas intenções, seus planos para o futuro, as ideias mirabolantes que você quer exteriorizar em forma de música para dividir com seus fãs que, por sua vez, ficarão ainda mais empolgados em ter este projeto concretizado e em mãos. Todo o processo de arrecadação será uma comunicação constante que fortalecerá os laços entre vocês (fãs e artista) resultando em um proporcional sucesso de vendas do álbum antes mesmo de ele ser gravado, shows com casa cheia… Não estou falando que você será o novo Gene Simmons, porém, os dois lados saem ganhando.

Mas calma: nem tudo são flores no mundo do crowdfunding. Iniciativas como as do Dead Fish e dos Raimundos não deram certo em 60 dias de prazo máximo que o Catarse dá para arrecadação de renda de um projeto. Há de se lembrar que as duas bandas têm mais de 20 anos de estrada, ralaram muito no meio underground em tempos pré-Internet e conquistaram um grande e fiel número de fãs antes mesmo de irem para o mainstream, onde permaneceram por um tempo – e lá, estes séquitos de fãs aumentaram exponencialmente. São pelo menos duas décadas formando uma grande base de pessoas que, garantidamente, contribuirão com alguma quantia (10 reais que seja!) para verem um novo disco desses caras em suas mãos.

Por melhor que seja a sua banda recém-formada e com duas ou três músicas próprias, ainda é muito cedo para você estender a mão pela Internet e pedir dinheiro para gravar o seu primeiro disco. Para que um projeto de crowdfunding dê certo nos dias de hoje, você precisa, inicialmente, que as pessoas conheçam seu nome e seu trabalho, sua história, seu passado, sua obra até aquele momento para que já o admire a ponto de querer investir em seu futuro. Pode ser que, em gerações futuras, este cenário mude para melhor – para isso, o público fã de rock deve trabalhar seu comportamento e modo de pensar e ver (ou melhor, ouvir) o rock para que haja sim uma maior pré-disposição das pessoas em apostar em bandas às cegas assim.

Até que este utópico dia (será?) chegue, continuemos com as palavras de Bon Scott: ainda há muita estrada para você andar, muito show para fazer, ser apedrejado, roubado, ter seus ossos quebrados e muitos hotéis e motéis onde você se hospedará que te farão chorar, pois ainda é um longo caminho ao topo se você quer fazer crowdfunding.

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