Como a música ficou grátis

Na virada dos anos 90 para 2000, o universitário Stephen Witt havia conhecido o formato de música digital chamado MP3. Em 2005, formado em matemática e pós-graduado em jornalismo, ele possuía seis HDs com 1500 Gb de música! Um dia, enquanto baixava álbuns em escala industrial, como fazia todos os dias, igual a milhões de jovens pelo mundo, ele se perguntou: afinal, de onde vem esses arquivos? Alguém os disponibiliza para que eu possa baixa-los gratuitamente. Quem e por que? Como foi que começou essa “cultura do compartilhamento” e quem a mantém viva hoje? Esses questionamentos o levaram a realizar uma reportagem investigativa que durou cinco anos – o resultado, nós podemos encontrar no livro Como a Música Ficou Grátis, lançado no Brasil em 2015 pela editora Intrínseca.

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Mais do que uma reportagem, o livro é a grande e interessantíssima aula de um importante capítulo da história da música: um capítulo que começa com a criação do formato MP3, seguido da criação dos players portáteis de música digital e do surgimento do Napster, o primeiro software de sharing pela Internet – um verdadeiro divisor de águas que simplesmente mudou (para não dizer “destruiu”) as regras do jogo que, há tantas décadas, eram ditadas pelas grandes gravadoras sobre como a música deveria ser comercializada, distribuída e até mesmo apreciada.

Muitas pessoas tiveram suas vidas transformadas pelos acontecimentos narrados nessa história ao longo dos anos, mas Witt acertou em cheio ao centralizar a trama em três personagens principais e nos mostrar como tudo aconteceu através de seus pontos de vista. O pesquisador Karlheinz Brandenburg, o executivo Douglas Morris e o operário de fábrica de CDs Dell Glover. O que eles têm em comum? Acompanhe o raciocínio:

  • Brandenburg é considerado o “pai” do MP3 que, durante uma guerra de padrões com a Phillips (na qual estava perdendo vergonhosamente), permite que sua equipe libere o software de “ripagem” de CDs para o formato digital gratuitamente na Web a fim de tentar popularizar o padrão para ganhar dinheiro com a patente – seu plano dá certo, mas o simples ato de liberar o programa de graça permitiu que outros programadores criassem softwares melhorados para fazer a mesma coisa com a intenção de piratear músicas.
  • Douglas Morris começou sua carreira de executivo do mundo da música de baixo até chegar à presidência da Warner Music e, em seguida, da Universal Music – durante sua gestão, cada uma das duas gravadoras foi a maior do mundo. A “revolução da música digital” aconteceu durante seu tempo à frente da Universal, período em que Morris foi chamado de “dinossauro” e “ultrapassado” mas, mesmo assim, ele soube se reinventar e criou um dos serviços online de música mais utilizados até hoje na Web.
  • Glover pode ser chamado de “o paciente zero” da pirataria: funcionário do setor de embalagens de uma fábrica de CDs da Universal Music na Carolina do Norte, ele fez parte de um dos vários grupos de pirataria virtual e, por anos, roubou CDs da fábrica para convertê-los para MP3 em sua casa e “vazá-los” no grupo antes da data de lançamento, além de criar cópias piratas do mesmo e vende-las nas ruas. Glover é, até hoje, considerado “o maior pirata de músicas de todos os tempos”.
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Da esquerda para direita: Karlheinz Brandenburg, Douglas Morris e Dell Glover

Witt escreve o livro como se fosse uma ficção separada em vários núcleos, contando um pouco da vida e da trajetória desses três personagens reais, como eles testemunharam certos acontecimentos da indústria musical, como reagiram a eles e como suas reações influenciaram em outros acontecimentos que, não intencionalmente, nos levaram ao cenário em que nos encontramos hoje em dia: um cenário onde as pessoas consomem cada vez mais música e cada vez menos estão dispostas a pagar por ela de acordo com o modelo antigo de compra e venda que era imposto pelas gravadoras. Um modelo destruído pela combinação dos elementos MP3 + Internet + alta capacidade de armazenamento + dispositivos móveis capazes de tocar formatos digitais.

Com seis HDs de MP3, Stephen Witt ficou intrigado: “quem fornece as músicas que eu baixo gratuitamente?”
Com seis HDs de MP3, Stephen Witt ficou intrigado: “quem fornece as músicas que eu baixo gratuitamente?”

Quem tem 30 anos ou mais vai identificar e lembrar de vários acontecimentos marcantes da história da música e da tecnologia narrados nessas páginas e descobrirá as verdadeiras causas deles, jamais ditas nos jornais. Os mais novos terão um vislumbre de como é que funcionam os bastidores da indústria musical ontem e hoje. Ambas as gerações finalmente entenderão a grande complexidade da rede que existe por trás da tela de seu computador para que o álbum mais recente de sua banda favorita chegue às suas mãos em um clique de torrent sem que precise colocar a mão no bolso. Além disso, sem tomar partido de nenhum lado, o livro levanta questões pertinentes sobre direitos autorais e intelectuais, modelos de cobrança de música, legalidade dos downloads e tudo mais.

Como a Música Ficou Grátis é um livro autenticamente provocativo – e digo isso como o maior dos elogios, pois ele não faz uso de alarmismo para isso: seu cérebro é cutucado apenas com fatos, números e acontecimentos. Leitura essencial para quem quer entender o mundo da música dos últimos anos pra cá.

Como a Música Ficou Grátis
Stephen Witt
Editora Intrínseca
2015

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