O “conceito” e o “objeto” música

Quando moleque, eu era aquele típico rato de lojas de rock que passava todos os dias nos mesmos três ou quatro estabelecimentos comerciais, de camisa preta de banda e boné pra trás, para folhear os discos (e, mais tarde, os CDs) nas prateleiras e fazer amizade com os donos das lojas e outros clientes que faziam a mesma coisa. Cheguei até a trabalhar em uma dessas lojas e até fazer parte de um programa de uma rádio de rock por curtíssimo tempo, só por causa disso. Toneladas de LPs e, mais tarde, de CDs na estante. Com a entrada da tecnologia e do MP3 na minha vida, nunca mais peguei nessas “mídias físicas” para ouvi-las. Consegui vender quase tudo. Sem pena ou remorso. Nunca mais freqüentei as lojas de rock – compro os lançamentos online e baixo as raridades que não encontro mais à venda em lugar nenhum.

O passado, no entanto, teima em bater na nossa porta de vez em quando dois acontecimentos recentes me deixaram “nostálgico” desta época das mídias físicas: um deles foi quando, às vésperas do show do Iron Maiden na Praça da Apoteose, resolvi comprar uma camiseta da banda para ir devidamente “uniformizado” e logo pensei nas boas, velhas e empoeiradas lojas de sempre. Claro que não encontrei nenhuma, já havia acabado todas mas, ao passear pelas três lojas da mesma galeria, fui novamente contagiado pelo espírito de camaradagem da comunidade roqueira que, como sempre, tem o poder de aglomerar estranhos em uma verdadeira roda de bate-papo para falar de música e outros assuntos como se fossem todos velhos amigos. Não podia deixar de dar, também, aquela “olhadinha básica” nos CDs.

Outro momento foi quando não resisti à tentação e comprei os DVDs do Rush em um impulso consumista de fã da banda, como comentei em meu post anterior. Este ato de sair de uma loja com uma caixa na mão que continha um ou mais disquinhos prateados com músicas neles (independente dessas músicas virem acompanhadas de vídeo também) me deu uma sensação de estranheza e nostalgia ao mesmo tempo. Faz tantos anos que não praticava esta ação de pagar por música em “estado físico”… Chegando em casa, antes mesmo de colocar a bolacha prateada no aparelho, eu abri a caixa, vi o encarte, esmiucei todo ele, apreciei a arte, as fotos… Essa sensação de poder pegar aquilo que se obtém, de sentir que está realmente ali, não só o som, mas a obra artística, a composição… Foi uma sensação boa. Boa demais.

Me chame de antiquado, mas a verdade é que até hoje sinto falta dessa coisa “palpável” que a mídia física dava – caramba, sinto falta das capas e encartes maravilhosos dos antigos LPs! Por mais prático que seja a música digital (e realmente é, não vou andar para trás nesta questão), sempre sentia que perdi algo no meio do caminho quando abandonei o “objeto música” e adotei o “conceito música” e esses dois acontecimentos corriqueiros me mostraram esse algo: o sentimento de posse daquilo que você consome e a proximidade com aqueles de gostos semelhantes ao meu, uma proximidade física que a Internet que, por mais vasta e mais “conectiva” que seja, nunca conseguirá igualar.

Mas ainda não comentei uma curiosidade: nessas três lojas de rock onde fui atrás da camisa do Iron Maiden, eu, na faixa dos 30 anos, era, provavelmente, um dos mais novos nos recintos. Isso mostra que esse sentimento nostálgico e possessivo reflete mesmo um conflito de gerações – afinal, eu só senti o que senti porque eu vivi isso na minha adolescência. São sentimentos que as gerações mais jovens não terão, pois eles não viveram o “objeto música”, eles já nasceram conhecendo o “conceito música” como a única forma de ouvir música que lhes foram apresentados.

Não vou dizer que eu ou eles estamos errados ou certos, isso não existe – existe apenas a mudança do mundo e das formas como as coisas acontecem. O vinil e o CD duraram o que tinham que durar e foi muito bom ter vivido essas eras. A música digital também durará o tempo que tiver que durar e seja lá o que vier depois, que seja bem vindo. Mas vou guardar, lá no fundinho, aquele sentimento orgulhoso e infantil de poder erguer o nariz e dizer para os moleques da geração Y: “eu vivi uma época MARAVILHOSA da música que vocês nunca saberão como é sentir o que eu senti”. E não importa que eles não se importem com essa declaração. Eu sei do que estou falando. Eu senti. Eu sinto. E se você tem a mesma idade que eu e também se apaixonou por música na sua infância e adolescência, eu sei que você também sente isso. Orgulhe-se disso.

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