O novo jeito de vender música está pegando os vícios do jeito antigo

As coisas não andam nada bem para o Tidal. O serviço de música por streaming do rapper Jay Z passa pela perda de dois grandes executivos ao mesmo tempo em que é processada por não repassar valores de royalties e licenças de execução de faixas para artistas.

No começo de março, o músico John Emmanuele, da banda The American Dolar, colocou o Tidal na justiça alegando que o serviço está reproduzindo e distribuindo, sem autorização e direitos mecânicos (pagamento de direitos autorais que o compositor recebe pela reprodução de sua obra pelos serviços de streaming), 118 faixas. Por este prejuízo, a ação prevê que o serviço pague 5 milhões de dólares ao compositor. O Tidal nega a irregularidade, alegando que John anda mal informado, pois adquiriu os direitos de reprodução das faixas com a empresa Tunecore, distribuidora que detém os direitos das gravações originais. De qualquer forma, para uma plataforma de streaming que surgiu em 2015 baseada no discurso de que cobrará mais caro que seus concorrentes e não oferecerá planos gratuitos aos seus clientes porque “o valor arrecadado servirá para pagar diretamente aos artistas e de forma justa, pois eles são as pessoas quem realmente deveriam lucrar com o comércio de suas próprias músicas”, essa não é uma boa propaganda.

Para agravar ainda mais a situação, o Tidal demitiu dois CEOs em menos de três meses: o executivo Andy Chen saiu para dar lugar a Peter Tonstad, que esquentou o lugar por apenas dois meses antes de também ter sido “convidado a se retirar”. Como se essa dança das cadeiras já não fosse prejudicial para os negócios, os diretores de operações financeiras, Chris Hart, e o de operações de negócios, Nils Juell, também foram demitidos no mesmo dia. O caso de Hart é ainda mais grave, pois o motivo pode ter sido o fato de ele não estar repassando para as empresas de pesquisa e estatísticas a quantidade real de vezes que faixas vêm sendo executadas pelo serviço de streaming. O Tidal alega que este ato, além de ser contra a política da empresa (já que são esses dados que definem quanto o serviço pagará para cada artista), foi também o causador do fato de o novo álbum do rapper Kanye West, The Life of Pablo, ter ficado de fora dos primeiros lugares da Billboard em sua semana de estreia – vale lembrar que, por decisão de West, o disco está disponibilizado oficialmente apenas para streaming no Tidal e não será comercializado digitalmente pela iTunes (já que a pirataria não é uma estatística contabilizada pela Billboard para avaliar a popularidade dos álbuns…).

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os ex-CEOs do Tidal, Andy Chan e Peter Tonstad: demissões não explicadas.

O Tidal não é o único a ser processado por não-pagamento de direitos autorais: em dezembro de 2015, o Spotify foi parar no banco dos réus por conta de um processo apresentado por David Lowery, líder das bandas Camper Van Beethoven e Cracker. Ele alega que o Spotify estava executando quatro faixas suas sem terem os direitos mecânicos para tal e, por causa disso, pede uma indenização de 150 milhões de dólares. Indo além, Lowery ainda pede que seja aberta uma ação coletiva contra os suecos, já que, segundo ele, não se conhece o número de compositores prejudicados pela plataforma de streaming, que pode estar incluindo e executando músicas sem identificar ou informar seus donos.

Tais ações mostram como a plataforma do streaming ainda é falha em termos de arrecadação e distribuição de valores para os donos das composições – sejam eles gravadoras, editoras ou os próprios artistas. A culpa, no entanto, não recai nos aspectos inovadores do novo jeito de se comercializar música, mas na burocracia e nas atitudes retrógradas de empresários que ainda enxergam e atuam de acordo com a cartilha do jeito antigo. Brigas como essas não são novidade no mundo da música, a batalha só acontecia em outro ambiente, o “offline”.

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cópia de arquivos: pirataria ou compartilhamento?

Muito ainda há de ser discutido sobre o comércio de música através do meio digital além do comércio em si. Fatores como intermediários (gravadoras, editoras, distribuidoras) e suas verdadeiras utilidades nesta “nova ordem musical”, a facilitação da burocracia confusa sobre a quantidade de direitos e regras em cima da música, a mudança de forma como o compartilhamento de arquivos é encarado (será que ainda é pirataria? Quão forte é esta atividade hoje? Vale a pena mensurá-la para verificar a popularidade dos lançamentos?)… Nada além da forma de arrecadar dinheiro pela transmissão virtual foi profundamente discutida até o momento e, se isso não acontecer – e rápido! – o “novo jeito de se comercializar música” acabará contaminado pelos vícios do antigo jeito e toda essa inovação não adiantará de nada: ela se tornará apenas mais um meio de fazer as mesmas coisas do jeito que sempre foram.