O que aprendemos com Lemmy

“49% Motherfucker, 51% Son Of A Bitch”. O título do documentário sobre Lemmy Kilmister é também uma definição sobre a personalidade do baixista e vocalista do Motörhead que, por 40 anos, fez os camisas pretas baterem cabeça em todo o mundo. Mesmo sendo este grande filho da puta (e talvez por isso mesmo), o mundo do rock entrou em luto imediato ao saber que, aos 70 anos, Ian Fraiser Kilmister faleceu, vítima de um câncer que havia descoberto dois dias antes.

Quer saber? Quem se importa se alguém achava Lemmy um filho da puta? Com certeza, não ele. O cara viveu toda sua vida seguindo apenas um lema: faça o que quiser e foda-se o que acharão de você, de como você deveria ser ou do que você deveria estar fazendo em vez daquilo que você está fazendo – e aguente as consequências de suas escolhas. Foram SUAS escolhas e isso não é nada mais que sua obrigação. Nesse caso, Ian escolheu usar speed, beber (segundo a lenda) uma garrafa de Jack Daniels por dia e ser o baixista/ vocalista de uma banda de rock que continuou fazendo música alta, barulhenta, suja e veloz, mesmo quando todos os grandes gurus da indústria musical dos anos 70 disseram que aquilo JAMAIS faria sucesso, pois era ruim demais, e seu frontman nunca atrairia público, pois era muito feio.

Tudo que fez, o fez intensamente, durante toda a vida. Durante a divulgação do penúltimo álbum, Aftershock, Lemmy disse em entrevista ao New York Times sobre seu estado de saúde, que vinha se deteriorando nos últimos anos: “Estou pagando o preço por tempos bons demais, imagino. Me sinto muito pra baixo. Não vou conseguir um trabalho novo. É uma mistura de todas as coisas que fiz, e eu fiz muito”.

Sim, o Motörhead deixou 22 álbuns maravilhosos, fez shows pelo mundo que deixaram muita gente surda e/ ou com torcicolo (meu pescoço dói até hoje por conta do show de 2007). O maior legado da banda, no entanto, não foram seus clássicos como Ace of Spades, Orgasmatron e Overkill entre outras músicas, mas o modo de vida que Lemmy viveu e ensinou os roqueiros a viver. “Sexo, drogas e rock n’ roll”? Se for a sua onda, sim, mas a lição não é essa.

O que Kilmister pregou foi: seja você mesmo, faça aquilo que te dá tesão em fazer e fodam-se as regras impositoras da sociedade. Se você quer ser artista (dançarino, músico, pintor, ator de teatro, sei lá), mas todo mundo diz que isso não dá dinheiro e você precisa encontrar uma “carreira de verdade”, foda-se. Se você gosta de pessoas do mesmo sexo, mas diversas “classes” dizem que isso é pecado, errado e antinatural, foda-se! Se você se sente bem sem precisar se depilar ou perder aqueles quilinhos a mais ou usando o seu penteado moicano ou piercing no nariz com uma corrente que se liga ao umbigo ou com sua tatuagem de caveira no ombro e as pessoas dizem que isso é coisa de gente “doente”, FODA-SE!

Sem perceber, Lemmy foi o maior pregador de autoajuda da história do rock, e ele não precisou fazer palestras ou lançar livros caça-níqueis. Bastou viver – e quem quisesse que enxergasse isso. Como ele próprio dizia no início das apresentações, “Nós somos o Motörhead e nós tocamos Rock n’ Roll”. Se você também vive com o “foda-se” ligado para essas regras imbecis da sociedade, parabéns: você também faz Rock n’ Roll. Você também é Motörhead.