O retorno do Jedi Catra à Aliança Rebelde do Rock

O assunto musical em pauta durante o mês de maio não podia ser outro: o sempre polêmico Mr. Catra cumpriu o que havia prometido e deu uma folga em sua carreira no funk para aventurar-se no rock pesado lançando a primeira música de sua banda, Mr. Catra e Os Templários. O clipe de O Retorno É de Jedi já está disponível no canal oficial do grupo no YouTube para todo mundo ver, compartilhar e elogiar ou criticar (dando-se ou não ao trabalho de assisti-lo antes).

Já fazem 10 anos que entrevistei Catra no auge do seu sucesso como funkeiro para uma revista onde trabalhava como repórter – foi nesta conversa que descobri que Wagner Domingues da Costa começou sua carreira musical, ainda adolescente, no underground do rock carioca, tocando e cantando em uma banda de punk. Esse adolescente do morro do Boréu, na Tijuca, que sempre curtiu a rebeldia das guitarras pesadas, fora apresentado ao som dançante que sua comunidade começava a criar na época e se encantou com aquela música que tinha uma cara toda própria. Uma cara que não era brasileira ou mesmo carioca, mas uma cara da comunidade em que vivia – mesmo que essa cara fosse derivada do “Miami Bass” dos anos 80 que, por sua vez, vinha da música eletrônica que tinha, como papas, nomes como Kraftwerk… E foi durante essa reflexão que uma grande ficha caiu na cabeça de Catra, quando, na minha frente, ele arregala os olhos e fala: “caraaaalho, maluco! O bagulho é alemão…”

Agora, o “Mister” troca as batidas eletrônicas de volta pelas guitarras pesadas e adiciona batuques bem acústicos ao seu som. As letras também deram uma volta de 180º: o “O bagulho tá sério/ Vai rolar um adultério!” pelo “O Senhor é meu pastor e nada me faltará/ Venha fechar com o certo pra sua vida melhorar”; o “Tu me ama porque tu me mama/ Ou me mama porque tu me ama” pelo “Meu movimento é político-social/ Meu tráfico é cultural”.

Não vou entrar aqui na seara da qualidade musical, já que essa é uma questão muito íntima para cada um de nós (em outras palavras: gosto é que nem CPF: pessoal e intransferível). Ocorre, no entanto, logo que saiu a notícia de que Catra iria fazer rock, não tardou aparecer a onda de críticas, alegando que o funkeiro iria matar o rock de vez ou que ele não tinha o direito de experimentar este caminho.

E eu pergunto: por que?

As pessoas se agarram ao status quo de que um artista musical de um determinado estilo, em geral, não tem o direito de aventurar-se em outros – a coisa toma proporções estratosféricas quando falamos de alguém que vem do funk, um estilo marginalizado, quase sempre considerado uma “não música”, algo de mau gosto e, por associação, ofensivo. Seguindo essa linha de pensamento, um funkeiro não é bem-vindo nesta sala musical que é compartilhada com o roqueiro, o sambista, o compositor cabeça de MPB, o maestro da música clássica, etc. Se este mesmo funkeiro resolver fazer um rock, então, o roqueiro desta sala se sentirá ofendidíssimo – afinal, ele está, no mínimo, zombando de seu estilo musical (“desde quando esse desqualificado tem cacife pra fazer o que eu faço? Volta pro teu tunts tunts!”).

Antes de ser Mister, Catra, funkeiro, roqueiro ou qualquer outro “eiro”, Wagner é uma pessoa que, como qualquer outra, pode gostar (e tem o direito de gostar) de várias coisas diferentes ao mesmo tempo. E se tiver uma ideia na cabeça e recursos para executá-la, ele também tem todo o direito de fazê-la. E pessoas terão o direito de gostar ou não das ideias dele – sejam elas funks ou rocks, mas, para terem esse direito, elas precisam cumprir a obrigação de ouvir essas ideias sem preconceito musical.

Até o momento, Mr. Catra e os Templários lançaram duas músicas. Eu ouvi as duas. Não gostei. Mas ouvi. E mesmo não tendo gostado, eu aplaudo o Wagner Domingues da Costa por ter composto músicas, gravado e divulgado. Espero que ele e sua banda tenham se divertido genuinamente, do mesmo jeito em que ele se divertiu quando era adolescente, ouvindo e tocando punk no Garage.

Um dos maiores expoentes do funk carioca já foi punk e volta a fazer som pesado. Se isso não é uma prova de que o rock é praticamente imortal, não sei o que é…

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