Rush – Clockwork Angels

“I can’t stop thinking big” (“não consigo parar de pensar grande” em tradução livre). A frase que compõe o refrão de Caravan é, talvez, a melhor definição de todo este álbum do Rush. Com 38 anos de carreira, o trio canadense fecha um ciclo de sua história trazendo um trabalho cheio de deliciosas contradições que engrandecem cada canção.

Sempre que Geddy Lee (baixo, teclado e voz), Alex Lifeson (guitarras) e Neil Peart (bateria) lançam um novo trabalho, os fãs esperam por sons complexos, letras reflexivas e, principalmente, inovações musicais e elementos nunca usados antes pela banda. Eis que a banda nos surpreende exatamente por tomar caminhos já conhecidos.

Os profundos conhecedores das músicas do Rush identificarão diversos elementos musicais de discos mais antigos ao longo das faixas de Clockwork Angels, transformando este álbum em uma grande celebração da carreira da banda. A música The Anarquist, por exemplo, traz riffs pesados como os do disco Caress of Steel, de 1975, aliados a escalas de baixo e guitarra que poderiam ser facilmente usadas no disco Grace Under Preasure, de 1982. Esta “caça a ovos de páscoa” pode continuar em todo o CD, onde o fã encontrará claros elementos de obras antológicas da banda como 2112, uma levada que pode lembrar o disco Test for Echo, um ritmo mais pesado como o de Counterparts ou de Vapor Trails ou melodias mais leves e divertidas como em Presto ou em Hold Your Fire, sem falar na complexidade musical da época preferida dos fãs, que vai do disco A Farewell to Kings ao antológico Moving Pictures.

Nunca um álbum do Rush havia criado tanta expectativa quanto este – muito se deve ao fato de a banda ter antecipado duas faixas do trabalho na Internet e tocado nos shows da turnê Time Machine (leia sobre o show da banda em São Paulo aqui). Caravan e BU2B tomaram os fãs de assalto mostrando que o clima do álbum que viria a seguir seria forte e marcante, ao contrário do excelente Snakes & Arrows, cujas composições foram feitas no violão, ganhando uma levada mais lenta e lírica. Em Clockwork Angels, o clima é diferente: aqui, a guitarra fala mais alto – muito alto! Lifeson não poupou cordas ao compor as guitarras mais pesadas da história do Rush, com poucos daqueles dedilhados ou “climas” que sempre fez tão bem nas seis cordas ao longo dos anos para deixar mais espaço para o baixo e a bateria.

Não pense, no entanto, que a “cozinha” ficou em segundo plano por causa da guitarra mais marcante. O baixo de Geddy Lee acompanha o vigor de Lifeson ao trazer linhas mais vigorosas, cheias de escalas e levadas complexas, com menos jazz e mais rock n’ roll, que podem lembrar um pouco a época dos primeiros discos da banda, enquanto a voz, não mais tão aguda quanto nos anos 70 (ainda bem), também ganha mais impacto ao quase gritar as letras. Atração à parte – e sempre uma das mais esperadas – em todos os trabalhos do trio é a bateria de Neil Peart, que pode decepcionar aqueles que esperam por verdadeiros solos e viradas mirabolantes no decorrer das faixas, mas esta é uma expectativa errada e injusta. Como vem acontecendo nos últimos álbuns, Neil foca-se cada vez mais na composição das levadas e ritmos, tentando encaixar a bateria dentro do contexto da melodia. Quem prestar atenção no trabalho das baquetas a partir deste prisma encontrará uma verdadeira aula de ritmo e “composição de bateria”, mostrando que não basta socar a caixa e o bumbo do instrumento para se considerar um instrumentista. Assim como em álbuns como Presto, Test for Echo e Snakes & Arrows, Peart apresenta uma complexidade de bateria que só é percebida por aqueles que ousarem reproduzir o que ele fez, pensando que será fácil.

Características como essas tornam Clockwork Angels uma obra prima contemporânea do Rush tanto para os fãs que acompanham sua carreira até hoje quanto aqueles que, erroneamente, dizem que a banda parou em Moving Pictures. Como é de se esperar do trio, você não vai encontrar faixas “radiofônicas” para fazer sucesso comercial por um verão. Seus pensamentos são bem maiores…

 Rush
Clockwork Angels
Gravadora/ selo: Roadrunner Records
2012
nota 9

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