Tio Ronnie

Acabo de voltar de uma viagem de três dias sem ler jornal ou chegar perto da Internet. Bastou ligar o computador para descobrir que Ronnie James Dio, um dos ícones do heavy metal, perdeu sua luta contra o câncer há dois dias. Senti atrasado o baque que todos os fãs de rock pesado sofreram – mesmo que seu tratamento estivesse sendo monitorado de perto pela imprensa especializada, que nos mantinha constantemente informados, nada nos prepararia o suficiente para isso.

Parece até que estou falando de um familiar ou de alguém conhecido que faz parte de seu dia-a-dia. Claro que saber da morte de um artista que você admira não tem, nem de longe, comparação com a perda de alguém realmente próximo de você, como um familiar, um amigo ou mesmo um conhecido do seu trabalho, mas, em devidas proporções, a descrição do sentimento de perda é parecida com isso mesmo. E há até uma explicação para isso.

Como qualquer pessoa que descobriu e se apaixonou pela música pesada na mesma época que eu, na pré-adolescência e adolescência dos anos 80 e 90, os mais velhos lhe indicavam de olhos fechados para você começar com “os clássicos”: era praticamente uma iniciação obrigatória passar semanas ouvindo com a atenção de um estudo para prova de fim de ano os discos de Led, Sabbath, Purple, Hendrix, Janis, Stones, Who, Beatles e tantos outros… Alguns já se foram, outros continuam aí até hoje, mas todos se tornam, até hoje, um pouco seus parentes distantes, daqueles que viajam para o exterior o tempo todo e quando voltam, trazem um grande presente para você: um novo disco, com novas músicas para você se empolgar novamente e de novo e de novo e de novo até a “próxima vinda” deles à sua casa.

Entre esses grandes nomes, Dio estava lá: como cantor do Rainbow, banda que Richie Blackmore formaria após sair do Deep Purple, depois aceitando a difícil tarefa de conquistar os fãs de Black Sabbath após a saída de Ozzy em seu novo emprego. Fez bonito, ganhou o respeito de todos e iniciou uma carreira solo que, mais tarde, dividiria seu tempo entre ela e o projeto Heaven and Hell, que nada mais é que a continuação da formação do Sabbath em sua época de cantor oficial do grupo. E que surpresa, no meio desses aproximadamente 40 anos de carreira, descobrir que antes do Rainbow, ele teve uma outra banda chamada Elf, que injustamente morreu no quase-anonimato? Agora percebo que toda a minha adolescência e vida adulta aconteceram em paralelo com a carreira do “metaleiro” descendente de italianos que inventou o “sinal de chifres” com os dedos indicador e mindinho da mão. A cada banda nova que ele entrava, a cada disco que ele lançava, era como se ele voltasse de mais uma viagem do exterior com um vinil cheio de histórias novas para contar, com novos companheiros de aventuras. Era assim que o “Tio Ronnie” fazia parte da minha vida, com sua figura sempre associada a momentos muito divertidos e empolgantes para mim e muitos outros adolescentes que se exaltavam ao som de suas “histórias”.

Agora o Tio Ronnie se foi. Aos 67 anos, ele partiu em sua última viagem, dessa vez sem volta, para juntar-se a tantos outros tios que, com ele, me fizeram sonhar acordado com suas aventuras. Contadores de histórias como o tio Jimi, a tia Janis, o tio Fredie, o tio John, o tio Keith… Todos eles são imortais em suas histórias e aventuras que ouviremos sempre que apertarmos o play de nossos aparelhos – seja ele um toca-fitas K7, um discman ou um MP3 player – mas seus corpos de carne e osso são finitos e, sem eles, não ouviremos novas histórias. Nos resta passar adiante aquelas que eles já deixaram por aqui.

Eu não tenho filhos, mas muitos amigos da minha idade já produziram herdeiros. Isso mesmo, herdeiros! Herdeiros deste legado tão importante que devem prestar atenção nesses discos com a mesma dedicação que eu tive algumas décadas atrás, sendo apresentado a este mundo tão interessante que é o do rock n’ roll! É minha obrigação fazê-los começar pelos mesmos “clássicos”. O tio Ronnie estará lá de alguma forma, assim como o tio Ozzy, o tio Page, o tio Ritchie e até alguns que conquistaram seus lugares nesse hall, como o tio Knopfler, o tio Bowie, o tio Geddy, o tio Bruce e o tio Lars. E que histórias fantásticas, que aconteceram há tantos anos, eles vão ouvir, ao lado de muitas outras que ainda estão por vir.

E em algum lugar (lá em cima? Lá em baixo? Isso importa?), um baixinho de cabelos grandes, ao lado de tantos outros imortais, vê sua obra sendo passada de geração em geração e nos saúda com um largo sorriso e as mãos para o alto, de punhos fechados enquanto estende apenas os dedos indicador e mindinho para nós. Obrigado, tio Ronnie.

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