Um negro e sabático Adeus

A chuva, ainda fraca, chegou junto com o público no estádio do Morumbi, em São Paulo. Apesar do clima de festa, como em todo show de rock, havia um quê de tristeza naquela tarde nublada de 4 de dezembro, afinal, aquela apresentação marcava a despedida do Black Sabbath. Foi mais uma (e última) chance de ver em ação a formação original quase completa da “banda que inventou o heavy metal”.

Por volta das 19h45, o Rival Sons, começa os serviços fazendo um curto e muito bom show com seu som totalmente inspirado no Led Zeppelin. Quem já estava no estádio curtiu, mas conteve a empolgação, pois todos ainda estavam se posicionando e brigando pelo melhor lugar da pista e das arquibancadas com aqueles que ainda estavam chegando. Por mais competentes que fossem, os camisas-preta estavam lá para prestarem suas homenagens em um funeral elétrico e barulhento.

Às 20h30, uma sinistra risadinha toma conta do estádio antes das luzes se apagarem e o telão começar a exibir a animação do nascimento do demônio que traz o apocalipse ao mundo. O planeta sendo destruído traz o logotipo do grupo em chamas enquanto Tony Iommi executa em sua guitarra as primeiras notas da música Black Sabbath, levando todos ao delírio. É incrível ver como uma música de andamento tão lento e fúnebre faz um estádio praticamente lotado ficar com o coração na mão.

Já nesse início, é impossível não pensar: “estou assistindo a Ozzy Osbourne, Tony Iommi e Geezer Butler juntos no palco tocando clássicos que são a gênese maldita de tanta coisa… Oportunidade como essa só era possível nos anos 70 e, depois de hoje, nunca mais”. Mas ainda não era hora de enterrar esse caixão. A noite só está começando com Fairies Wear Boots e After Forever. Aqui nós já percebemos como Ozzy começa a perder fôlego e se esforçar para cantar alguns versos, enquanto Tony e Geezer, quietos em seus cantos, continuam tocando magistralmente, acompanhados do baterista Tommy Clufetos, que esbanjou energia e técnica ao substituir à altura o “homem das baquetas” original, Bill Ward.

O som estava um pouco abafado e atrasado para o público, mas nada que atrapalhasse a noite. Os quatro continuaram despejando clássicos da “Era Ozzy”, como Into the Void, Snowblind (nesse momento, houve um problema na iluminação do palco e na transmissão do vídeo, deixando a banda tocando no escuro, mas foi logo resolvido), War Pigs (que fez o Morumbi vir abaixo pela primeira vez na noite) e Behind the Wall of Sleep. O solo de baixo de Geezer anuncia a chegada de N.I.B., que fez o público quase ficar em silêncio para ouvir o que estava acontecendo no palco. A essa altura, a chuva se intensifica bastante, mas os fãs nem parecem sentir as gotas grossas caindo: estávamos todos hipnotizados pelo som de Geezer e Tony e o carisma de Ozzy, que se apoia no pedestal do microfone para cantar e gritar com o público, que reage à altura.

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Depois de Rat Salad, chegou a hora do solo de bateria de Clufetos, que não deixa a peteca cair e empolga a galera enquanto o restante da banda faz uma pausa para se recuperar, pois as notas finais indicam que vai começar Iron Man, uma das músicas mais esperadas do setlist, seguida de Dirty Women. Quando Ozzy anuncia que chegou a hora da última música da noite, o público, já encharcado da chuva que “batizou” toda a apresentação, gritava sem parar. Uma mistura de euforia e lamento toma conta de todos quando Iommi começa as primeiras notas de Children of the Grave para saírem do palco em seguida.

Mas ainda faltava o bis. Ozzy volta ao palco pedindo para que gritássemos “one more song” (“mais uma música”) só para que entrassem os primeiros acordes de Paranoid. É o começo do Fim. Se existisse alguém no Morumbi que houvesse passado o show sem surtar, esse alguém finalmente perdeu a compostura nesse momento: o Morumbi veio abaixo com milhares de pessoas batendo cabeça como se não houvesse amanhã e gritando até ficarem roucos – era visível ver as arquibancadas do estádio balançando com os pulos do público que se encontrava por lá.

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Com esse momento de catarse, o Black Sabbath lacrou seu caixão. Ao final, o telão mostra o mundo em chamas e os dizeres “The End”, sinalizando que o funeral terminou. As ruas do estádio do Morumbi são tomadas por um sem-número de pessoas extasiadas por fora, mas tristes por dentro por terem a consciência de que esta foi a última vez.

Adeus.