Streamings tocam a música – mas o artista só dança se quiser

Estava esperando que a Apple manifestasse sua posição à respeito do manifesto da cantora Taylor Swiftt para ponderar a respeito. Pelo aparente fechamento do bafafá das últimas semanas do mundo da música, me parece que os artistas (dependendo do seu cacife) ainda têm poder de dar a palavra final em alguns aspectos deste mercado.

Se você ainda não entendeu do que estou falando, permita-me contextualizar: como eu havia dito em um texto meu publicado no Troca o Disco, a Apple lançará, no próximo dia 30 de junho, seu serviço de música por streaming, a Apple Music – para você experimentar o vasto catálogo e outros serviços e novidades que serão fornecidos por lá, a empresa oferecerá três meses grátis de teste para o internauta antes de começar a cobrar por uma mensalidade.

O que não foi avisado para nós, ouvintes, é que, no momento em que um álbum ou música nova entra no serviço, todo dinheiro que a execução desta obra render durante seus três primeiros meses ficaria integralmente para a Apple, começando a repassar a parte que é de direito do artista/ produtor/ pessoas envolvidas apenas depois do quarto mês de presença no serviço (não por acaso, quando a música deixa de ser novidade e registra uma esperada queda de execuções em relação às primeiras semanas). Uma espécie de quid pro quo pelo lance dos três primeiros meses de graça para nós, ouvintes.

Aparentemente, a comunidade artística não gostou nada da história, mas apenas a cantora Taylor Swift teve a coragem de abrir a boca em uma carta aberta à Apple (a íntegra traduzida do texto, você pode ler aqui) onde ela expõe o que acha desta política em especial da empresa da maçã, explicando por que não ofereceria seu novo álbum, 1989, no badalado novo serviço.

https://www.youtube.com/watch?v=8QP1LcEzghY

A carta surtiu efeito: poucos dias após a publicação da carta na mídia, o vice-presidente de Software de Internet e Serviços da Apple, Eddy Cue, anunciou que a empresa pagará sim os artistas em todas as suas etapas. “Depois dos eventos dessa semana, eu decidi colocar meu álbum 1989 no Apple Music… felizmente”, disse a cantora no Twitter. “Caso vocês estejam pensando que foi algum tipo de acordo exclusivo com a Apple como ela faz com outros artistas, não foi. É simplesmente a primeira vez que senti ser certo colocar meu álbum para stream. Obrigado, Apple, por ter mudado sua visão.”

Vamos lembrar que Taylor já desconfia do sucesso econômico do streaming há tempos, afinal, foi ela quem tirou, meses atrás, todo seu catálogo do Spotify, alegando que o serviço não rende o que ela acha suficiente para manter suas obras à disposição por lá. “O cenário da indústria musical está mudando rapidamente e tudo que for novo, como Spotify, me parece um grande experimento. Não estou disposta a contribuir com a obra da minha vida para um experimento que, a meu ver, não compensa os escritores, produtores, artistas e autores de música”, alegou em entrevistas na época.

Swift faz parte de um seleto grupo de artistas que lidera as paradas americanas/ mundiais, cujas vendas de seus álbuns (em formato físico ou virtual) e a renda de seus shows rende dinheiro de sobra para seu sustento próprio e de seu negócio (pagar produtores, banda, toda equipe responsável por “manter a roda girando” por assim dizer). Isso faz com que ela tenha certo poder e autonomia para decidir como e por onde suas músicas serão veiculadas de acordo com sua filosofia: a de que música, como qualquer outra arte, deve ser recompensada ao artista. E ela tem todo direito de colocar o preço que ela acha que sua música vale – se o Spotify não paga por esse preço, a Apple Music há de pagar.

É claro que nem todo mundo é uma Taylor Swift, que registra 4,5 milhões de cópias vendidas em cinco meses (um alto número nos dias de hoje), logo, não tem essa voz toda para chegar no escritório dos serviços de streaming gritando “Eu quero receber sei-lá-quantos dólares por execução de cada música minha ou tiro meu catálogo do serviço de vocês”. Muita gente ainda vai ter que dançar essa nova música tocada pelos streaming players – música esta, antigamente, tocada pelas gravadoras e pelas rádios, que, em suas épocas, ditavam o que era tocado e em quantas vezes.

Mas não pense que os artistas trocaram de par nessa dança só para continuarem sendo conduzidos por um canal diferente de execução: a digitalização da música é uma faca de dois gumes para os streaming players. Eles podem ser, atualmente, o principal meio de consumo de música, mas, ao contrário das rádios em sua época de ouro, estão longe de serem os únicos. Sites de vídeos como YouTube, com seus clipes e a distribuição pirata de MP3 através de torrents e outros meios ainda são concorrentes fortes e que nada cobram para entregar o mesmo produto ao consumidor final. Artistas e players terão que aprender a trabalhar com muita política para não darem um passo em falso e colocarem tudo à perder para o “mercado digital informal”. Se todos mantiverem a cabeça fria e não forem o Gene Simmons em querer colocar grandes cifrões em tudo, talvez (só talvez) estejamos construindo um cenário em que, finalmente, todos (artistas, veículos de música e ouvintes) podem ganhar e saírem satisfeitos.