Eric Clapton – I Still Do

Com mais de 50 anos de estrada (cerca de 45 só na sua carreira solo), Eric “Deus” Clapton pode se dar ao luxo de fazer o que bem quiser. E o que ele quer no momento é tocar aqueles blues que ele sempre amou desde que era moleque em álbuns e projetos intimistas e pessoais. Tendo feito seu pé de meia com os inúmeros sucessos que gravou ao longo de sua carreira, o guitarrista lança seus atuais álbuns por uma gravadora independente, sem a pressão da “máquina da mídia” para emplacar novos hits ou fazer parte desse jogo do som comercial e vendável. Livre dessas amarras, ele chamou o conceituado produtor Glyn Johns (que trabalhou no clássico álbum Slowhand, de Clapton, além de ter trabalhado com Stones, Led e The Who, entre outras bandas), compôs duas novas músicas e selecionou algumas canções de artistas que sempre admirou para interpretá-las. O resultado é o excelente I Still Do.

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O título do álbum é homenagem a uma tia de Clapton que morreu há alguns anos – ela dizia para o artista que gostava dele como um menino. “And I still do” (“E eu ainda o faço”, em tradução livre), completou ela. Essa pequena história já demonstra o quão íntimo e pessoal é este trabalho para o guitarrista e é exatamente esse clima de descompromisso que as 12 faixas passam para o ouvinte.

Quando Eric fala em gravar músicas de terceiros, um de seus grandes heróis, o blueseiro J.J. Cale, é presença obrigatória na lista. Das duas músicas do artista que faleceu em 2013 presentes aqui, Can’t Let You Do It foi o primeiro “hit” a ser divulgado, enquanto que Somebody’s Knockin’ era uma das inúmeras composições que ficaram inacabadas após seu falecimento, finalizada por Eric. Uma vez que JJ Cale é responsável por pelo menos dois grandes sucessos da carreira do guitarrista (After Midnight e Cocaine), ouvir essas duas faixas é como se estivesse ouvindo incríveis gravações perdidas de Clapton dos anos 70.

O clima de “antiguidade” segue ao longo do álbum, que traz covers de Robert Johnson, Bob Dylan, Skip James e Leroy Carr, entre outros, resultando em uma sorte de gêneros diferentes de estilos e vertentes que andam de mãos dadas, desde o blues texano até o country, passando pelo blues elétrico, pelo blues tradicional do Mississipi e pelo folk. Tudo aqui ainda soa genuíno e sincero, tanto nas palavras quanto na guitarra. Nada é “inventado” no álbum, apenas o bom e velho blues pode ser ouvido e sentido aqui. Uma das composições próprias para esse disco, a impactante Spiral, tem esse clima das antigas por sua letra ter sido totalmente improvisada no momento da gravação, assim como os grandes blueseiros do início do século 20 compunham.

O “Deus da Guitarra” ficou conhecido por gerações mais novas de fãs a partir do histórico acústico que gravou na MTV americana em 1992 com canções mais românticas e calcadas no violão – esse público não se sentirá um “peixe fora d’água” em I Still Do, pois existem faixas aqui que lembram bastante essa época da carreira, como Catch the Blues e a balada I Will Be There, conta com a participação de um músico que Clapton creditou como “Angelo Misterioso” – alcunha que George Harrison usou quando gravou como convidado com o Cream, na música Badge, nos anos 70. Ao contrário das especulações, Eric já declarou que George Harrison não participou do álbum e não revela (e nem nunca vai revelar) quem é o novo “Angelo Misterioso”.

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Em 2014, Eric Clapton anunciou que se aposentaria dos palcos por sentir fortes dores na hora de tocar guitarra. “Acho que me permitirei, com moderação, seguir gravando álbuns de estúdio. Eu não quero chegar ao ponto de passar vergonha no palco”, disse ele em entrevista na época – e é exatamente isso que ele está fazendo. Sem precisar provar mais nada para ninguém, esses álbuns “moderados” são a sua diversão pós-aposentadoria, pois ele está se divertindo sem se preocupar se esse material é “radiofônico” ou não. Esse tipo de liberdade criativa é impagável para o artista e para os fãs que sempre o amaram e admiraram. “And we still do”, sir Eric.

Eric Clapton
I Still Do
Selo/ gravadora: Surfdog Records
Nota: 7