Recebi de presente esses dias, de meu amigo Raphael Fernandes, o encadernado que traz a história completa de Ditadura No Ar (editora Draco), a graphic novel ganhadora do prêmio HQMix que ele escreveu com a arte de Rafael Vasconcellos. O livro se passa na época da ditadura militar brasileira e traz a história do fotógrafo Félix Panta e sua busca pela na morada Nina, ativista socialista que estava na mira dos fardados até o dia em que foi dada como desaparecida.
Mas se esse sempre foi um espaço dedicado ao rock, por que estou comentando sobre uma história em quadrinhos de ditadura militar? Por que a história de Fernandes e Vasconcellos foi concebida em cima de muita pesquisa sobre este negro período da história do Brasil, e a música, usada como porta-voz de muitos protestos contra o governo totalitarista da época, não poderia ficar de fora da apuração.
Ditadura No Ar transpira o mesmo suor nervoso de medo e raiva que todos exalavam dos anos 60 a 80 aqui nessa terra brasilis, seja no desenho de Rafael ou no texto de Raphael, que, durante a busca por “Lenina”, nos leva a um “passeio turístico” pelo ofício das pessoas e dos militares, que viviam essa situação na pele – situação essa que inspirou importantes canções de artistas brasileiros. Algumas delas, óbvias revoltas como É proibido Proibir, de Caetano Veloso em companhia d’Os Mutantes, que gerou revolta durante a terceira edição do Festival Internacional da Canção, em 1968.
Existia também o protesto velado em letras cínicas e humoradas como a divertida Jorge Maravilha, de Chico Buarque, cuja letra apresenta um cara abusado falando para o restritivo pai dela “você não gosta de mim, mas sua filha gosta”. A música foi lançada durante o governo de Ernesto Geisel e, apesar de não ser sua intenção inicial, a carapuça serviu para o General, uma vez que sua filha, algum tempo antes, havia declarado em entrevista que era grande fã da obra do subversivo Chico. Este, aliás, era “craque” em esconder os ataques à ditadura entre versos e contextos que fugiam do tema de protesto para enganar os censores. Outras músicas como A Banda e Cálice fazem parte do repertório em que “entendedores entendiam”.
Claro que era preferível que os “anos de chumbo” nunca tivessem acontecido, mas aconteceram e catalisaram grandes obras da música brasileira. Obras essas que fazem parte da história em quadrinhos dos dois Rafas. A leitura é recomendadíssima, bem como uma pesquisa mais detalhada sobre essa época da história do país e das canções e artistas que levantaram voz contra os arbitrários.
Música, assim como literatura (e os quadrinhos fazem parte dessa classe), dança, artes plásticas em geral, etc., são arte e arte é, também, veículo de ideias. Convido você a fazer mais que ouvir música, mas entender a mensagem que ela passa e abrir sua mente – a playlist abaixo pode ser um bom ponto de partida para esse caminho sem volta, rumo à evolução de consciência que você cai começar a tomar. Um caminho importante para que histórias como a de Ditadura No Ar não saia das páginas impressas e volte a acontecer no mundo real.