Canções fast-food e músicas banquete

Enfim um acontecimento prático que demonstra nitidamente o choque do velho com o novo no que diz respeito ao jeito de se fazer música. De acordo com essa notícia, o Pink Floyd está processando a gravadora que lançou seus discos, a EMI, por descordar com o jeito da empresa de vender suas músicas online. Estaria a gravadora dizendo que estão vendendo as músicas da banda por um valor menor do que seu lucro real? Bom… De acordo com o grupo, sim, mas essa, incrivelmente, não é a questão principal.

O que realmente está incomodando os integrantes é o fato de que a EMI está vendendo separadamente as músicas que comprem discos como The Wall e Dark Side of the Moon – discos esses que foram concebidos como obras fechadas e que, segundo a banda, não funcionam sozinhas. É como se The Wall não fosse um disco com várias músicas, mas um disco com uma única música de aproximadamente uma hora e vinte minutos dividida em vários subtítulos. Comprar apenas os títulos Another Brick in the Wall, One of My Turns, Comfortably Numb e Run Like Hell e não obter o resto da obra seria obter apenas pedaços de uma música. De acordo com a notícia, a banda alega que há até mesmo uma cláusula no contrato proibindo a gravadora de realizar esse tipo de venda, “decompondo” a obra em questão.

O grupo não está errado em defender a integridade de suas obras – foi assim que elas foram pensadas nos anos 70 e é assim que elas devem ser comercializadas. A chave da questão está no pedaço “nos anos 70” da frase. O grupo não está errado… Mas está defasado.

O comércio online de música é coisa dos anos 2000, uma época em que a “música-arte” está sendo cada vez mais substituída pela “música-produto”, aquela que deve ser digerida facilmente, que deve entreter por alguns minutos e depois descartada. Já escrevi um texto sobre “música perecível” tempos atrás e, aqui, o assunto volta à tona sob outro aspecto: há espaço para a “música-arte” nos dias de hoje?

Me chame de otimista, mas eu gosto de pensar que a minha realidade não é a mesma de todos – na verdade, acho que faço parte de um grupo ínfimo que possui rotina e gostos semelhante dos meus. Se, hoje em dia, o tempo (ou falta dele) e a correria do dia-a-dia de trabalho, vida pessoal e de projetos diversos não me permitem “degustar música” como gostaria, não quer dizer que os 180 milhões de brasileiros ilhados aqui em Vera Cruz tenham essa mesma paranóia de produzir, trabalhar, cumprir prazos e só conseguem ouvir música através de seus MP3 players enquanto se locomovem a grandes distâncias. Ainda há aqueles que param para ouvir música sim e até mesmo aqueles que, mesmo tendo essa rotina corrida, querem parar para ouvir trabalhos musicais com toda atenção e dedicação que eles merecem.

Tendemos a ter a impressão de que o atual cenário musical e a nova forma de consumir música transformam todos os ouvintes em um único tipo de ouvinte, aquele que ouve uma canção como se fosse um big Mac e que, por isso, só consome músicas fast-food, mas isso não é verdade. A música digital amplia horizontes, atinge cada vez mais pessoas de todas as classes sociais, costumes, credos e costumes – não é possível que, dentro dessa variedade, todos estejam robotizados e se contentem em comer o mesmo quarteirão com queijo e milkshake de ovomaltine todos os dias.

Há espaço sim para a música-arte e para seu comércio rentável no mundo da música digital. Basta que seus comerciantes respeitem a obra, o artista e o público-alvo de cada perfil e nicho musical que todos saem ganhando. O banquete cuidadosamente preparado pelo mundialmente reconhecido chef de cozinha dá tanto lucro (se não mais) que o Big Mac feito em cinco minutos e consumido em dois. Pegue seu MP3 player, encha-o com seu prato preferido e aprecie da maneira que ele deve ser apreciado. Bon apetit para seus ouvidos.

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