O preço justo de um show

O segundo semestre de 2010 vai levar à falência todos aqueles que gostam de rock em todos os estilos por conta dos diversos shows e festivais já confirmados. Além de festivais como SWU e Planeta Terra, já estão agendadas as passagens de nomes como Bon Jovi, Rush, Cranberries e Green Day, sem falar nas possibilidades de virem por aí Primus, Faith No More (de novo) e Stone Temple Pilots em dezembro. Muitos bolsos vão se esvaziar, não apenas pela quantidade de atrações, mas também pelos preços dos ingressos.

De acordo com uma matéria da Folha de S. Paulo, quem quiser assistir aos shows do Bon Jovi e do Timbaland, vai desembolsar de R$400 (se tiver carteira de estudante) a R$1200 reais! Eu ainda me lembro de ter pago cerca de 60 reais em um ingresso inteiro para assistir ao show da turnê Balls to Picasso, a primeira da carreira de Bruce Dickinson em meados dos anos 90. Mesmo em 2003, na primeira vinda do Rush ao Brasil, paguei o “caro” preço de 80 reais pelo ingresso inteiro para estar no gramado do Maracanã. Por que os ingressos para shows e eventos internacionais encareceram tanto de uns 10 anos pra cá?

A revista VEJA publicou uma matéria a respeito em 2007, quando entrevistou alguns produtores responsáveis por trazer atrações internacionais e donos de casas de shows que as recebem. Todos eles foram enfáticos na mesma resposta: a proliferação da carteirinha de estudante. De acordo com a lei que a criou, não apenas os estudantes de colégio ou universidade têm direito à carteira que dá direito a pagar metade do ingresso de qualquer evento cultural, mas também estudante de qualquer curso: karatê, ioga, cursinho pra vestibular, aula de pintura de porcelana… Alia-se este cenário ao da indústria informal da falsificação e pronto: nunca se teve tanta gente estudando nesse país! Como resultado, certos shows, de acordo com o tipo de público que atraem, tem 80% ou mais de pagantes que desembolsam apenas metade do preço do ingresso. Com o ingresso pela metade do preço para quase todos os presentes, os envolvidos na empreitada de trazer a atração para o país arcam com um grande prejuízo e ninguém está nessa apenas pelo prazer de trazer aquele artista ou banda para cá. Para obter um lucro mínimo ou mesmo diminuir o prejuízo que gerará, o resultado é dobrar o valor do ingresso para que o dinheiro arrecadado com a “meia-entrada” ainda valha a pena.

Jogar a culpa apenas na carteira de estudante é procurar um bode expiatório. Existem vários outros fatores, como uma das soluções encontradas pelos organizadores dos shows para valorizar ainda mais os ingressos: a criação dos chamados espaços VIP. O antigo “gargalo”, onde poucos sobreviveriam à pressão que era ficar bem colado ao pé do palco, virou uma grande área com espaço de sobra, cercada por grades para afastar a ralé que só tem dinheiro para comprar os ingressos de preços mais baratos. Na confortável região da platéia que te deixa bem de cara com o artista, só entram os pouquíssimos que tem grana para pagar pelo ingresso mais caro ou as “personalidades” brasileiras como atores e atrizes globais, ex-BBBs e socialytes de meia-tigela que são convidados pela produção para figurarem o evento, dando mais importância ao mesmo para as revistas de fofoca que, no dia seguinte, publicam manchetes relevantes como “Fulaninha de tal, a Beltrana da novela das oito, brilha na área VIP do show do Bon Jovi com o novo namorado”. A área VIP cria uma nova casta de ingresso que encarece ainda mais o evento para o bolso do público, podendo chegar ao valor de 1500 reais (!!!) como foi no caso da última passagem da lenda Bob Dylan por aqui.

Por fim, não podemos esquecer que, em principal instância, os shows são a verdadeira e mais lucrativa forma de um artista se sustentar (e de todos que trabalham ao redor dele para o show acontecer, do roadie ao empresário que abre as portas dos países estrangeiros para ele entrar). Se a venda do CD dava algum lucro a ele (mesmo que mínimo, já que a gravadora fica com a maior parte), o atual cenário do mercado fonográfico ensina que já não se pode contar mais com esses trocadinhos – se vier, é lucro que vai para o cofre de porquinho. Sendo assim, vamos investir pesado em turnês lucrativas que são o que cada vez mais garante o leitinho das crianças. E dá-lhe um show de luzes e sons e performances cada vez melhores no palco para que seja cada vez mais impossível reproduzir digitalmente a experiência de estar lá. É isso que nos faz pagar um ingresso: a emoção de presenciar, de fazer parte de um evento histórico para muitos fãs, uma emoção que não pode ser pirateada e trafegada pela World Wide Web. Por esta emoção, os fãs pagam o preço justo de olhos fechados e sem pensar duas vezes – com ou sem carteirinha ou área VIP.

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