Nunca dei bola pra Chuck Berry

Fale a verdade: qual foi a última vez que você ouviu Chuck Berry? Não estou falando de ouvir uma versão de Johnny B. Goode (como aquela interpretada por Marty McFly na trilha sonora de De Volta para o Futuro) ou de, por acaso, esbarrar com uma música dele em algum filme; estou falando de pegar um CD ou vinil ou mesmo procurar por um álbum do cara no Spotify e curtir, realmente ouvir com prazer? Se você for um desses espíritos de porco que vai responder “ouço com frequência, pelo menos uma vez por semana”, admita uma das duas hipóteses: ou você faz parte de uma minoria muito específica ou está mentindo só porque não quer dizer que não admirava o “pai do rock”, que faleceu no último dia 18 de março.

Eu confesso: faz anos que não pego em uma das coletâneas de Chuck Berry que tenho em minha estante. Após sua morte, continuei sem vontade de ouvir ou revisitar sua obra e sua história. Não me entenda mal, eu gosto do som de Chuck como de muitas coisas que surgiram nos anos 50 e agradeço pelo caminho do rock que ele desbravou, ao lado de Little Richards e das grandes estrelas da Chess Records, mas desculpe: sua partida não me impactou tanto quanto as de Lemmy ou Bowie ou alguns outros que se foram recentemente. Meu primeiro contato com o rock foi no Rock in Rio de 1985, quando eu tinha apenas 9 anos de idade – naquela época, quando fui bombardeado e conquistado pelo rock, ele tinha uma cara beeeem diferente: a cara do AC/DC, do Queen, do Iron Maiden, do Ozzy Osbourne, do Scorpions, da Nina Hagen… É claro que os elementos de Mr. Berry ainda permanecem em todos esses artistas (em alguns mais diluídos que em outros), mas quase não dá para reconhecer no geral. Depois dessa avalanche de guitarras e baterias, me interessei pelo estilo musical rebelde e, aos poucos, minha curiosidade foi me levando até suas origens – foi nessa viagem ao passado que encontrei e adorei Elvis, Little Richard, Muddy Waters, Etta James, Bill Haley, Buddy Holly… E aquele tal de Chuck Berry que, com seu “passo de patinho” e guitarra ritmada, foi o primeiro negro a conquistar negros e brancos em uma América altamente segregada.

Muitos são os registros que dizem que Chuck Berry é “o pai do rock” por ser o primeiro a fazer muito sucesso misturando o blues, o country e a música popular americana em um caldeirão tendo, como resultado, clássicos como You never can tell e Sweet little sixteen, mas lamento: meus ouvidos estavam mais voltados para os anos 70 e 80 quando o senhor Charles Edward Anderson Berry Senior se apresentou a mim e, por isso, nunca dei muita atenção a ele. Mesmo quando minha viagem temporal-musical chegou aos anos 50, senti-me mais atraído pelo som de outros artistas daquela época do que pelo dele.

Se você chegou até aqui, aposto que duas coisas passam pela sua cabeça: a primeira é que você quer me bater por eu não estar em prantos pela morte de Chuck Berry como o resto do mundo; a segunda é que você está concluindo que eu vou dizer que ele “não era isso tudo”. Errado. Berry foi tudo isso que falam e mais – a minha falta de interesse nele demonstra, na verdade, que há uma grande distância entre a geração daquele moleque de 9 anos em 1985 e este senhor que morreu aos 90 anos em 2017. E tudo bem ser assim. É ótimo que você respeite a obra de Chuck Berry, lamente sua morte e reconheça tudo que fez pela música. Eu fiz isso. Mas não é necessário ouvir toda a discografia dele em um fim de semana e dizer que conhece toda sua vida e obra só pra fazer bonito nas redes sociais – a não ser que você tenha ido atrás pela curiosidade e realmente tenha se apaixonado pelo som a ponto de ouvir toda a sua obra em um fim de semana. Se for assim, fico feliz por ter descoberto um novo som.

Eu e o senhor Charles Berry nunca fomos muito próximos, mas sempre houve um sincero respeito de minha parte por ele. Sendo assim, aqui vai meu Adeus e obrigado por tudo. (ok, acho que vou tirar a poeira daquela coletânea agora…)